Após liminar da Justiça, protesto contra aumento da passagem vira festa no meio da chuva em Porto Alegre.
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
Por Samir Oliveira
Quando, às 18h, na tarde desta quinta-feira (4), uma chuvinha fina
começou a cair sobre o centro de Porto Alegre, muita gente pensou que o
protesto contra o aumento da passagem de ônibus escorreria pelos bueiros
como a água. Mas, aos poucos, as pessoas foram se reunindo na praça
Montevidéu, em frente à prefeitura.
No início, alguns buscavam abrigo nas marquises dos prédios ao redor.
Os guarda-chuvas atrapalhavam a visão de quem passava, além de
dificultar a vida de quem tentava se deslocar pela calçada. Os cartazes
desfraldados também teimavam em exibir suas mensagens, apesar da chuva
que ia borrando os de cartolina.
Não eram 18h30min quando alguém recebeu e repassou instantaneamente
a informação à multidão: o reajuste havia sido revogado temporariamente
por uma liminar da Justiça. A comemoração foi geral.
Poucos minutos depois, a informação foi repetida em alto e bom som
pelo caminhão que transportava os amplificadores – o veículo, cedido
pelo MST, substituiu a Kombi branca que levava as caixas de som nos
outros atos. Do microfone, um manifestante alertava que a decisão da
Justiça era uma “conquista paliativa” e que a cobrança pela redução da
passagem para R$ 2,60 deveria prosseguir.
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
Não eram 19h quando os milhares de manifestantes saíram da frente da
prefeitura para marchar. A caminhada iniciou junto com o temporal, que
em nada lembrava a chuvinha fina do meio da tarde e fez a alegria do
ambulante que corria em volta dos jovens para vender capas de plástico
por R$ 5,00.
Quando atingiram a avenida Júlio de Castilhos, os manifestantes
abandonaram os guarda-chuvas e desistiram de tentar salvar os cartazes.
Apenas as faixas de pano resistiam. Muitos e muitas tiraram as
camisetas. E todos se renderam à chuva. Um dos gritos mais ouvidos da
noite era: “Pode chover! Pode molhar! Mais um aumento eu não vou
pagar!”.
Quando chegaram ao terminal Parobé, os manifestantes correram para
baixo do Camelódromo, onde permaneceram por alguns minutos. O teto baixo
reverberava de forma intensa o brado: “O povo unido jamais será
vencido!”.
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
Dali, o grupo ensopou ainda mais os pés em uma avenida Voluntários da
Pátria alagada, sob os olhares curiosos e espantados dos vendedores das
lojas da região. Surpreendidos, alguns não hesitaram em apoiar a
marcha.
O grupo seguiu pela rua Marechal Floriano Peixoto até a avenida
Salgado Filho, onde alguns já ensaiavam um novo bordão: “Sou de luta!
Sou radical! Quero o passe livre nacional!”.
Ao chegarem na esquina com a avenida Borges de Medeiros, um
manifestante quebrou as sinaleiras de um ônibus. A reação foi imediata:
vaias generalizadas e uma reprimenda de um pequeno grupo próximo a ele,
que gritava “chinelão! chinelão! chinelão!”.
No caminho até a avenida Loureiro da Silva, a marcha cresceu. Muitos
jovens recém chegados comentavam que estavam vindo da aula. E, dos
prédios, era visível o apoio de boa parte da população, que saía às
janelas sacudindo os braços – uma mulher chegou a colocar metade do
corpo para fora da janela de um ônibus que estava parado no
congestionamento.
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
Mas também houve um foco de tensão na Loureiro da Silva. Alguns
manifestantes batiam na lataria de um dos coletivos parados e os
passageiros se revoltaram, já que uma criança que estava dentro se
assustou com o barulho. Apesar da tentativa de alguns passageiros de
sair do ônibus para brigar com os manifestantes, a marcha seguiu até a
avenida João Pessoa. Lá, outro breve foco de tensão, quando houve um
desentendimento com um motoqueiro que cortou caminho pelo meio da marcha
e quase levou uma garrafada de um manifestante, que chegou a estender a
mão para dar o golpe, mas foi detido pelos demais.
Durante o trecho entre a Loureiro da Silva e a João Pessoa, foi
possível perceber com mais clareza o imenso cortejo policial que seguia
os manifestantes. Do caminhão de som, um ativista puxou o grito: “Recua,
polícia, recua! É o poder popular que está na rua!”.
Ao chegar na avenida Ipiranga, o grupo se dirigiu para o trecho onde,
de um lado, estava a sede da EPTC e, de outro, o prédio do Grupo RBS –
contra quem os manifestantes não poupam críticas desde que os protestos
começaram a ganhar corpo e aparecer com maior frequência na mídia.
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
Uma das faixas da marcha atacava a empresa: “RBS, ontem cúmplice da
ditadura. Hoje, parceira da máfia do transporte”. E um dos gritos de
protesto ironizava o comentarista do Jornal do Almoço, Lasier Martins:
“Lasier, xarope! Vai tomar um choque!”, em referência ao acidente
ocorrido com o jornalista anos atrás, enquanto ele cobria a Festa da Uva
de Caxias do Sul.
Esse foi um dos momentos mais tensos do protesto. Alguns ativistas
jogaram tinta, pedras e bolinhas de gude na sede da EPTC. Ocorreu um
princípio de correria e tumulto. A Brigada Militar cerrou fileiras nas
pontes para pedestres e carros que davam acesso ao outro lado da avenida
Ipiranga, não permitindo que ninguém se aproximasse do prédio da RBS.
E, ao mesmo tempo, o contingente policial que acompanhava a marcha pela
retaguarda se aproximou – o que fez com que muitos manifestantes
pensassem que se tratava de uma investida da polícia.
Alguns ativistas, com medo de que se estabelecesse um conflito,
chegaram a se retirar do ato neste momento, que seguiu em caminhada pela
avenida Érico Veríssimo até o Largo Zumbi dos Palmares. No
encerramento, ficou estipulado que haverá um novo protesto na
segunda-feira (8).
A revogação do aumento conquistado pela decisão Judicial favorável à
ação impetrada pelos vereadores do PSOL de Porto Alegre reduz a passagem
de R$ 3,05 para os R$ 2,85 que vigoravam até o momento. Mas os
manifestantes reivindicam que a prefeitura revogue o ato do aumento e
reduza a passagem para R$ 2,60, além de assumir o compromisso de não
revisar isenções para idosos e estudantes.
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
|
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
|
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21 |
|
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
|
Confira a cronologia do aumento da passagem este ano em Porto Alegre
- 28/12/2012
Tribunal de Contas do Estado (TCE)
solicitou informações à EPTC a
respeito do cálculo utilizado para se verificar o Percurso Médio Mensal
(PMM) dos ônibus – que influi no reajuste da tarifa. A solicitação de
informações foi feita por provocação do Ministério Público de Contas,
após uma inspeção especial realizada nas contas da EPTC, ter verificado
que a prefeitura computa a frota reserva de ônibus no cálculo.
- 7/01/2013
EPTC responde a questionamentos do TCE, afirmando que cálculo do PMM
ocorre de acordo com o que determina a legislação municipal.
- 25/03/2013
Data a partir da qual entra em vigor a nova tarifa de R$ 3,05.
Fonte: Jornal Sul21