domingo, 7 de abril de 2013

A Derrota de Fortunati

Após liminar da Justiça, protesto contra aumento da passagem vira festa no meio da chuva em Porto Alegre.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Por Samir Oliveira
Quando, às 18h, na tarde desta quinta-feira (4), uma chuvinha fina começou a cair sobre o centro de Porto Alegre, muita gente pensou que o protesto contra o aumento da passagem de ônibus escorreria pelos bueiros como a água. Mas, aos poucos, as pessoas foram se reunindo na praça Montevidéu, em frente à prefeitura.
No início, alguns buscavam abrigo nas marquises dos prédios ao redor. Os guarda-chuvas atrapalhavam a visão de quem passava, além de dificultar a vida de quem tentava se deslocar pela calçada. Os cartazes desfraldados também teimavam em exibir suas mensagens, apesar da chuva que ia borrando os de cartolina.
Não eram 18h30min quando alguém recebeu e repassou instantaneamente a informação à multidão: o reajuste havia sido revogado temporariamente por uma liminar da Justiça. A comemoração foi geral.
Poucos minutos depois, a informação foi repetida em alto e bom som pelo caminhão que transportava os amplificadores – o veículo, cedido pelo MST, substituiu a Kombi branca que levava as caixas de som nos outros atos. Do microfone, um manifestante alertava que a decisão da Justiça era uma “conquista paliativa” e que a cobrança pela redução da passagem para R$ 2,60 deveria prosseguir.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Não eram 19h quando os milhares de manifestantes saíram da frente da prefeitura para marchar. A caminhada iniciou junto com o temporal, que em nada lembrava a chuvinha fina do meio da tarde e fez a alegria do ambulante que corria em volta dos jovens para vender capas de plástico por R$ 5,00.
Quando atingiram a avenida Júlio de Castilhos, os manifestantes abandonaram os guarda-chuvas e desistiram de tentar salvar os cartazes. Apenas as faixas de pano resistiam. Muitos e muitas tiraram as camisetas. E todos se renderam à chuva. Um dos gritos mais ouvidos da noite era: “Pode chover! Pode molhar! Mais um aumento eu não vou pagar!”.
Quando chegaram ao terminal Parobé, os manifestantes correram para baixo do Camelódromo, onde permaneceram por alguns minutos. O teto baixo reverberava de forma intensa o brado: “O povo unido jamais será vencido!”.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Dali, o grupo ensopou ainda mais os pés em uma avenida Voluntários da Pátria alagada, sob os olhares curiosos e espantados dos vendedores das lojas da região. Surpreendidos, alguns não hesitaram em apoiar a marcha.
O grupo seguiu pela rua Marechal Floriano Peixoto até a avenida Salgado Filho, onde alguns já ensaiavam um novo bordão: “Sou de luta! Sou radical! Quero o passe livre nacional!”.
Ao chegarem na esquina com a avenida Borges de Medeiros, um manifestante quebrou as sinaleiras de um ônibus. A reação foi imediata: vaias generalizadas e uma reprimenda de um pequeno grupo próximo a ele, que gritava “chinelão! chinelão! chinelão!”.
No caminho até a avenida Loureiro da Silva, a marcha cresceu. Muitos jovens recém chegados comentavam que estavam vindo da aula. E, dos prédios, era visível o apoio de boa parte da população, que saía às janelas sacudindo os braços – uma mulher chegou a colocar metade do corpo para fora da janela de um ônibus que estava parado no congestionamento.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Mas também houve um foco de tensão na Loureiro da Silva. Alguns manifestantes batiam na lataria de um dos coletivos parados e os passageiros se revoltaram, já que uma criança que estava dentro se assustou com o barulho. Apesar da tentativa de alguns passageiros de sair do ônibus para brigar com os manifestantes, a marcha seguiu até a avenida João Pessoa. Lá, outro breve foco de tensão, quando houve um desentendimento com um motoqueiro que cortou caminho pelo meio da marcha e quase levou uma garrafada de um manifestante, que chegou a estender a mão para dar o golpe, mas foi detido pelos demais.
Durante o trecho entre a Loureiro da Silva e a João Pessoa, foi possível perceber com mais clareza o imenso cortejo policial que seguia os manifestantes. Do caminhão de som, um ativista puxou o grito: “Recua, polícia, recua! É o poder popular que está na rua!”.
Ao chegar na avenida Ipiranga, o grupo se dirigiu para o trecho onde, de um lado, estava a sede da EPTC e, de outro, o prédio do Grupo RBS – contra quem os manifestantes não poupam críticas desde que os protestos começaram a ganhar corpo e aparecer com maior frequência na mídia.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Uma das faixas da marcha atacava a empresa: “RBS, ontem cúmplice da ditadura. Hoje, parceira da máfia do transporte”. E um dos gritos de protesto ironizava o comentarista do Jornal do Almoço, Lasier Martins: “Lasier, xarope! Vai tomar um choque!”, em referência ao acidente ocorrido com o jornalista anos atrás, enquanto ele cobria a Festa da Uva de Caxias do Sul.
Esse foi um dos momentos mais tensos do protesto. Alguns ativistas jogaram tinta, pedras e bolinhas de gude na sede da EPTC. Ocorreu um princípio de correria e tumulto. A Brigada Militar cerrou fileiras nas pontes para pedestres e carros que davam acesso ao outro lado da avenida Ipiranga, não permitindo que ninguém se aproximasse do prédio da RBS. E, ao mesmo tempo, o contingente policial que acompanhava a marcha pela retaguarda se aproximou – o que fez com que muitos manifestantes pensassem que se tratava de uma investida da polícia.
Alguns ativistas, com medo de que se estabelecesse um conflito, chegaram a se retirar do ato neste momento, que seguiu em caminhada pela avenida Érico Veríssimo até o Largo Zumbi dos Palmares. No encerramento, ficou estipulado que haverá um novo protesto na segunda-feira (8).
A revogação do aumento conquistado pela decisão Judicial favorável à ação impetrada pelos vereadores do PSOL de Porto Alegre reduz a passagem de R$ 3,05 para os R$ 2,85 que vigoravam até o momento. Mas os manifestantes reivindicam que a prefeitura revogue o ato do aumento e reduza a passagem para R$ 2,60, além de assumir o compromisso de não revisar isenções para idosos e estudantes.
Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Confira a cronologia do aumento da passagem este ano em Porto Alegre
- 28/12/2012
Tribunal de Contas do Estado (TCE) solicitou informações à EPTC a respeito do cálculo utilizado para se verificar o Percurso Médio Mensal (PMM) dos ônibus – que influi no reajuste da tarifa. A solicitação de informações foi feita por provocação do Ministério Público de Contas, após uma inspeção especial realizada nas contas da EPTC, ter verificado que a prefeitura computa a frota reserva de ônibus no cálculo.
- 7/01/2013
EPTC responde a questionamentos do TCE, afirmando que cálculo do PMM ocorre de acordo com o que determina a legislação municipal.
- 21/01/2013
Manifestantes realizam primeiro protesto de rua no centro de Porto Alegre contra o aumento da passagem.
- 29/01/2013
TCE emitiu medida cautelar determinando que EPTC revise o modo como calcula o aumento da tarifa de ônibus em Porto Alegre. O conselheiro Iradir Pietroski, relator do processo, seguiu a orientação do Ministério Público de Contas, que observou que a empresa não pode considerar a frota total de veículos para reajustar a passagem.
-21/03/2013
Conselho Municipal de Transporte Urbano (COMTU) aprova elevação da tarifa para R$ 3,06. No mesmo dia, o vice-prefeito Sebastião Melo (PMDB) sanciona a aprovação e fixa o valor em R$ 3,05, resultando num reajuste de 7,02%.
- 25/03/2013
Data a partir da qual entra em vigor a nova tarifa de R$ 3,05.
-27/03/2013
Manifestantes realizam outro protesto contra o aumento da passagem. Tentativa de ingresso no prédio da prefeitura gera conflito com a Brigada Militar no início do ato. Ativistas marcham até o Palácio da Polícia para exigir libertação de manifestante que foi detida pela Guarda Municipal dentro da prefeitura.
- 01/04/2013
Prefeito José Fortunati (PDT) recebe grupo de entidades estudantis – convocado pela União dos Estadual dos Estudantes (UEE-RS, comandada pelo secretário-adjunto da Secretaria Municipal da Juventude, Arthur Veiga, do PTB) – para debater o aumento da tarifa.

Fonte: Jornal Sul21

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