Projeto para eliminar parte de arquivos judiciais pós-1950 preocupa historiadores
Por Marco Aurélio Weissheimer (Blog RS URGENTE)
Por Marco Aurélio Weissheimer (Blog RS URGENTE)
Estudantes e pesquisadores de História estão preocupados com o contrato firmado entre a Companhia Riograndense de Artes Gráficas (Corag) e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para a classificação e posterior eliminação de parte de 10 milhões de processos já concluídos. O Tribunal de Justiça anunciou que a avaliação dos processos será feita segunda uma “tabela de temporalidade”, já publicada oficialmente. Segundo o TJ, todos os processos que sobraram do grande incêndio que consumiu o palácio da Justiça em 1949 serão preservados (em torno de 250 mil processos).
Atualmente, a Justiça guarda 13 milhões de processos já concluídos. Destes, 11 milhões estão sob a responsabilidade do Arquivo Judicial. Outros dois milhões estão em foros judiciais na capital e no interior do Estado. Todos os meses, milhares de novos processos são destinados ao arquivamento. O contrato, no valor de 4,3 milhões, prevê que a Corag trabalhará 10 milhões de processos. A empresa terá doze meses para concluir o trabalho, prorrogáveis por mais três. Segundo o contrato, serão contratados 280 estagiários, que serão coordenados por bacharéis e estudantes de Direito, para classificar os processos que poderão ser descartados. O Tribunal de Justiça assegura que permitirá a participação de entidades interessadas em analisar os processos apontados para a eliminação.
Rodrigo de Azevedo Weimer, doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), manifesta preocupação com a possibilidade de destruição de parte do acervo do TJ-RS posterior a 1950:
“Como historiador profissional chamo a atenção para a importância da preservação da referida documentação. Estou sinceramente aterrorizado com o que li no site do TJ. De acordo com a resolução 878/2011, apresenta-se uma tabela de temporalidade – feita de acordo com critérios obscuros por não-profissionais – que condena à eliminação testamentos, inventários, mandatos de segurança, diversos documentos administrativos e fundiários, documentação referente a direito de família e previdenciário, atos infracionais, se posteriores a 1950”.
E acrescenta:
“A documentação desta natureza foi importantíssima para a renovação da historiografia brasileira. O que parece estar se desenhando é uma perda inenarrável para a história de nosso estado e nosso país, obstaculizando, em muito, a escrita da história social do Rio Grande do Sul da segunda metade do século XX”.
Na mesma linha, Marcelo Vianna, mestre em história pela PUC-RS, expressa perplexidade com o projeto para a eliminação de processos:
“O preocupante é como se dará a análise para definir os documentos a serem salvaguardados por interesse histórico. Quem definiu esses critérios? O que é “interesse histórico”? Como estudantes de Direito e de Ensino Médio irão definir isso? Qual o interesse de uma gráfica estatal em fazer esse trabalho?”
Marcelo Vianna também critica a resolução 878/2011 do TJ-RS que prevê a eliminação de documentos como inventários e testamentos, preservando uma amostra estatística:
“Imagine se isso tivesse sido aplicado, no início do século XX, quando organizaram o Arquivo Público do RS? O que conheceríamos da história da escravidão, do operariado, dos populares e até mesmo das elites do RS? Quantos processos, entre os 10 milhões distribuídos entre os arquivos do TJRS, não estão lá retratando novos eventos, fatos e processos sobre a Campanha da Legalidade, o crescimento urbano de Porto Alegre a partir dos anos 1950, a repressão do Regime Militar, o renascimento dos movimentos sociais…? Um descarte, sob mãos nada especializadas, poderá promover um apagar da memória da segunda metade do século XX no RS”.
O Tribunal de Justiça garante que todos os processos destinados à eliminação poderão ser examinados por historiadores ou integrantes de entidades de defesa dos direitos humanos, sem precisar o prazo para que isso aconteça antes da eliminação. Seja como for, a proposta já acendeu um caloroso debate na comunidade acadêmica de História.
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