Caros companheiros da Mensagem ao Partido
Nosso partido continua sendo aquele que é o mais prestigiado pelo povo brasileiro, pelo seu passado e pelo seu presente. Neste Congresso precisamos iniciar e desenhar conscientemente o nosso futuro.
As transformações que o país atravessou durante os governos do Presidente Lula e que prosseguem com a Presidenta Dilma, constituem um legado extraordinário para a esquerda latino-americana e uma referência democrática e progressista para o mundo. Devemos reconhecer que nesse processo tivemos a ajuda importante dos nossos aliados. Não é menos verdadeiro, porém, sustentar que sem o PT o Brasil teria sucumbido aos modismos do projeto neoliberal que cobra hoje, em escala mundial, pesados tributos das classes trabalhadoras e dos setores médios da sociedade.
É necessário, porém, reconhecer que precisamos renovar profundamente o Partido. Não temos a ilusão de que isso seja possível por meio de um único ato ou pela ação isolada da “Mensagem”. Trata-se, sabermos, de um processo complexo de acumulação, que envolvem múltiplos atores num diálogo, não sectário nem excludente; um processo racional e democrático, que deve incidir sobre a nossa cultura política para reafirmar a tradição e para superá-la, aduzindo fundamentos novos e novos valores éticos e políticos à “práxis” do PT.
Precisamos, em primeiro lugar, assumir como imperativo o desafio de fomentar uma nova cultura da solidariedade, capaz de orientar políticas públicas que unifiquem os que estão inseridos na sociedade de classes, na condição de assalariados, com os excluídos da sociedade formal. Não podemos descuidar, também, de buscar preservar os setores que foram incluídos no mercado e que ascenderam socialmente durante os governos liderados pelo PT, a chamada “nova classe média”.
Sem acesso aos mecanismos protetivos do Estado de Direito e sem o suporte dos serviços públicos básicos, a multidão de precários, desempregados, empregados de baixa renda, informais e excluídos, sobrevive, marcada pela ausência de oportunidades de realização profissional, de compartilhamento dos espaços de sociabilidade, de acesso à informação, de exercício da comunicação, de fruição dos bens culturais, enfim, sem a possibilidade de integrar um projeto humano de afirmação pessoal e de realização social.
Trata-se de constituir um novo bloco social de resistência à fragmentação, ao isolamento e à violência, de luta por mais igualdade nos planos material e simbólico, de renovação da esperança e de recriação do horizonte utópico. Um bloco capaz de associar os trabalhadores tradicionais que historicamente o PT buscou representar, aos setores precários intermitentes, aos desempregados, aos sujeitos do fluido mundo do trabalho que emergiu com as novas tecnologias e com os novos estilos de vida: precisamos nos unir à multidão de jovens a quem é negada perspectiva de futuro estável.
Por ser fundamentado na solidariedade social e no reconhecimento recíproco, um programa dessa natureza deve ser capaz de orientar a construção de uma nova hegemonia democrática – portanto, não excludente -, de orientar o PT e seus aliados no exercício da direção política e cultural do conjunto da sociedade brasileira.
Isso implica em exercer essa direção sem impor – pela manipulação ou pela coerção - interesses meramente particularistas ou corporativos, mas buscando orientar o Estado no sentido da realização do interesse público, da universalização dos direitos e do acesso mais equitativo aos bens materiais e culturais, disponibilizados no patamar atual de desenvolvimento do país.
Para tanto, precisamos recusar a tentação da submissão confortadora ao velho corporativismo: se no passado este foi um mecanismo legítimo de agregação e resistência, hoje tende a reproduzir, em escala ampliada e com uma agressividade proporcional a sua impotência política, o individualismo dos que pensam no seu próprio destino no seio de uma sociedade destrutiva e consumista. O nosso partido precisa compreender definitivamente que o corporativismo é apenas um ponto de partida da democracia, não o seu ponto de chegada.
No atual cenário da disputa política nacional, o PT deve reorganizar a sua política de alianças, orientá-la cada vez mais segundo valores e princípios democráticos, bem como fundamentá-la programaticamente. Se por um lado precisamos reconhecer as regras do jogo político real em uma democracia sempre imperfeita, por outro precisamos definir limites para o pragmatismo e explorar formas socialmente ampliadas de governabilidade.
Isso não implica em se deixar seduzir pelas teses da direita que pretendem, com um discurso udenista de conveniência, desmontar o apoio parlamentar e desestabilizar o nosso governo nacional e os nossos governos regionais e locais. Combater sem tréguas a corrupção é um compromisso republicano que deve se realizar sem desconstituir o Estado de Direito ou sonegar as garantias individuais. Sem esvaziar a política ou demonizar os partidos, sem estigmatizar a ação dos sujeitos políticos e sem transferir, acriticamente, para setores da mídia que se autoproclamam juízes da moralidade cívica, uma responsabilidade que é pública e que deve ser compartilhada por todos os cidadãos.
A partir do entendimento da nova dialética da conjuntura política nacional, precisamos liderar a organização de um bloco político que seja capaz de agregar os partidos, organizações e movimentos de esquerda e centro-esquerda para que, mobilizados e fortalecidos, possamos estabelecer o necessário diálogo com o centro político de matriz democrática, popular e nacional.
Esse diálogo deve ser capaz de produzir consensos mais amplos e consistentes em torno dos principais eixos estruturantes do nosso projeto nacional de desenvolvimento - socialmente inclusivo, regionalmente integrado, tecnologicamente avançado e ambientalmente sustentado -, bem como das reformas democráticas do Estado. Esses consensos, que devem partir do reconhecimento da representatividade dos nossos aliados históricos e dos nossos novos interlocutores políticos do centro democrático e devem ser capazes de se reproduzir, em cada estado e em cada cidade do país.
A defesa irrestrita do governo da Presidente Dilma é uma tarefa fundamental na atual conjuntura. A oposição, apoiada – ou dirigida! - pela articulação midiática que tentou sem êxito derrubar o governo Lula, apresenta-se agora na cena pública liderando uma campanha de “apoio” ao governo, para que este “faça uma faxina” no Estado federal. Mesmo sem credibilidade, omissos que são no combate atual à corrupção nos seus próprios estados e muitas vezes coniventes que foram nos governos federais dos quais participaram, essas minorias pretendem, dissimuladamente, dissolver a base político-parlamentar do governo Dilma, para bloquear as suas iniciativas e neutralizar os avanços programáticos.
Estamos convencidos de que precisamos manter, sem tréguas, nossa postura de combate intransigente à corrupção, mas também devemos ter claro que devemos rejeitar com firmeza a tentativa de setores da mídia e da oposição de promover uma espécie de criminalização generalizante da conduta da base de sustentação do governo. Esta criminalização promovida, não por vocação cívica ou convicção ética, mas por oportunismo irresponsável e proselitismo inconsequente.
Em nenhum momento da nossa história a corrupção foi combatida com tanta profundidade e sem protecionismos partidários como nos governos Lula e Dilma. É exatamente por isso que a corrupção, enrustida historicamente na política e arraigada no estado clientelista que herdamos, se torna hoje pública e evidente.
Para bloquear a ofensiva desestabilizadora da oposição conservadora, precisamos retomar rapidamente a iniciativa política, disputando uma nova agenda que seja capaz de combinar as necessidades políticas imediatas com o compromisso estratégico com as reformas democráticas.
Nesse sentido, proponho que a Mensagem ao Partido unifique-se com as demais forças do PT para, através de uma carta do Congresso dirigida à nação, comprometer-se e, um amplo movimento partidário e social de defesa de uma reforma política e eleitoral no país, que no mínimo acolha o voto em lista, sustente o financiamento público integral das campanhas e neutralize as alianças eleitorais sem fundamentação programática; e, para promover um movimento político vigoroso em defesa de uma reforma democrática do Estado, que avance na profissionalização do serviço público e que, especialmente, amplie as possibilidades de participação ativa da sociedade nas decisões sobre políticas públicas e no controle sobre a ação governamental.
Na expectativa de que essas considerações possam de alguma forma contribuir para a nossa reflexão coletiva que vamos promover no nosso Congresso, desejo bom debate a todos!
Tarso Genro
Governador do RS
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