quinta-feira, 26 de abril de 2012

O Livro e o Piche

Por *Jackson Raymundo

O município de Bento Gonçalves foi o que mais investiu em educação em 2011 no RS, segundo o TCE. Tem espaços culturais qualificados e políticas culturais permanentes. Graças ao prefeito Roberto Lunelli, a educação e a cultura têm recebido muito mais recursos do que a média das gestões municipais. Graças ao prefeito Roberto Lunelli e à sua gestão, Bento Gonçalves tem não só o melhor IDH do Estado – e um dos maiores PIBs, mas também um dos melhores índices de FIB (Felicidade Interna Bruta) do país.
Isso tudo contraria a mediocridade que permeia boa parte da política brasileira. Um vereador tucano de Bento simboliza isso: disse que o dinheiro destinado à Feira do Livro daria para fazer “200 metros de asfalto”. É este pensamento que faz com que, a despeito do grande crescimento econômico da última década no país, tenhamos tanta dificuldade em melhorar os indicadores sociais. O pensamento conservador pensa mais no piche do que no cidadão.
A (encerrada) polêmica sobre a participação do artista Gabriel O Pensador demonstrou, de um lado, um preconceito generalizado em relação a cultura enquanto política pública. Por outro lado, aquilo que muito bem a escritora Martha Medeiros sintetizou na ZH: de que está “embutido no inconsciente coletivo” que “o escritor não precisa comer” e que “a sociedade acha profano associar dinheiro com literatura” (essa síndrome de São Francisco de Assis, ela lembra, acomete os próprios escritores).
O cantor Gabriel O Pensador faz de sua arte um jeito de expressar os anseios e o cotidiano de quem não tem voz, em especial das comunidades de periferia. As suas músicas promovem a reflexão e o pensamento crítico. Poderia muito bem se acomodar, fazer seus shows e ganhar dinheiro. Mas não! , virou referência em ações que estimulem, principalmente dentre os jovens, a formação de leitores – reflexivos e críticos, como deve ser.
Tivesse o prefeito Roberto Lunelli contratado qualquer cantor sertanejo do momento, certamente teria pago muito mais, reunido um grande público e não teria essa polêmica toda. No entanto, o prefeito ousou dar maior visibilidade logo a uma feira do livro. O livro e a leitura, sabemos bem, promovem a reflexão e a crítica, transformando a vida das pessoas. E pessoas reflexivas e críticas não acreditam em tudo o que leem nos jornais – e nem votam mais em quem lhes dê apenas o piche.

*Jackson Raymundo é graduado em Letras pela UFRGS e Secretário de Cultura do PT/RS.

Publicado originalmente no Jornal Sul 21

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