Manifestantes a favor da possibilidade de se interromper a gravidez até 12 semanas de gestação (Foto: © Carlos Lebrato/Flickr)
Na última sessão do ano, o Senado do Uruguai aprovou na terça-feira (27) dois projetos polêmicos. Um deles legaliza o aborto nas primeiras 12 semanas de gestação e outro prevê a taxação das grandes propriedades para combater a concentração de terras no país.
Após intensos debates, o projeto que legaliza o aborto foi aprovado por 17 dos 31 senadores presentes, com amplo apoio da bancada governista Frente Ampla, de esquerda, e um voto de senador do Partido Nacional, de oposição. Agora o projeto de lei será analisado na Câmara dos Deputados. O texto irá à Câmara de Deputados e, se aprovado, irá a sanção pelo presidente José Mujica, também da Frente Ampla, que já avisou que não vetará a proposta.
No senado, o respaldo para a aprovação foi dado pela Frente Ampla com 16 votos, a qual se somou o senador do Partido Nacional Jorge Saravia, um ex-membro da coalizão de esquerda. O Partido Colorado votou em bloco contra a medida.
Os senadores de oposição ao projeto centraram suas críticas na crença de que existe vida a partir do momento da concepção e que, portanto, o direito de viver deve ser respeitado. Outro elemento comum em várias das intervenções da oposição foi que o número de abortos só aumentou nos países onde o procedimento foi legalizado.
Os defensores da descriminalização do aborto - agrupados em torno da Frente Ampla, partido que detém a maioria no Senado e ocupa a presidência da República - argumentaram que é um direito das mulheres decidir livremente se desejam continuar o processo de gestação, dentro do prazo de 12 semanas estipulado pela nova regra.
Também afirmam que a atual lei de criminalização do aborto, aprovada nos anos 1930, tem sido repetidamente desrespeitada e não tem feito outra coisa senão desenvolver as práticas inseguras destas operações. A Frente Ampla também sustentou que a descriminalização do aborto confirma o Estado laico e que a Igreja e pontos de vista religiosos não devem ser base para decisões políticas.
Fora do Palácio Legislativo, em Montevidéu, manifestantes a favor e contrários à lei pressionavam os senadores. Um dos votos mais polêmicos foi justamente o do senador nacionalista Saravia. Quando estava na Frente Ampla, ele havia sido um dos que conduziram a iniciativa, mas ontem declarou-se pessoalmente "contra o aborto", mas "a favor de descriminalizar as cerca de 40.000 mulheres condenadas a um aborto por circunstâncias sociais" a cada ano.
Mesmo na Frente Ampla, que é composta por várias tendências internas - chamadas de listas - houve discordâncias com o projeto que legaliza o aborto. Conforme havia entecipado, o frente-amplista Carlos Baráibar (da lista interna Assembleia Uruguai) argumentou contra a medida, mas logo pediu licença e retirou-se da sessão, deixando a decisão nas mãos de seu suplente, Milton Antognazza, que votou a favor.
No plenário do Senado, não chegou a haver debate, mas uma sucessão de discursos nos quais os senadores apenas mantiveram suas posições conhecidas de antemão. Os discursos começaram ao meio-dia com a Monica Xavier (do Partido Socialista, que integra a Frente Ampla), uma dos promotoras da iniciativa. Xavier explicou que o projeto é "um mecanismo que garante que, se a mulher não pode continuar a gravidez, tenha as mesmas garantias que uma mulher que leva sua gravidez a termo". "Nós não somos censores da moral, nós somos legisladores em uma sociedade felizmente diversificada. Precisamos reconhecer a diversidade da sociedade para tornar a regra mais justa", disse a senadora.
Em seguida, o senador do Partido Colorado Alfredo Solari (da lista interna Nós Uruguai) rebateu: "Como pode ser estabelecida por lei que a interrupção da gravidez pode ser decidida apenas pela mulher? E o homem, ele não teve participação? Sua opinião não conta? Em vez de promover a paternidade responsável, o que dizemos com esta lei é que não importa a opinião masculina", indignou-se.
Mais tarde, o senador do Partido Nacional Carlos Moreira (da tendência Aliança Nacional) considerou que o direito à vida "começa a partir do momento da concepção, como declarado no Pacto de San José de Costa Rica", e que, se aprovada a lei, o Uruguai estaria violando tratados internacionais.
Por sua parte, o frente-amplista Luis Gallo Frente (da Assembleia Uruguai), disse que esta lei "afirma a natureza secular do governo uruguaio," e que "as crenças religiosas não são uma fonte de direito." Com esta lei estamos dando um alento a um grupo social mascarado e silenciados", disse ele. De acordo com Gallo, a normai "deve estar alinhada com o consenso social vigente no país, e os legisladores não devem desprender-se dele. A lei que criminaliza o aborto é desconsiderada e constantemente violada. Criminalizar o aborto fere múltiplos direitos, o da vida, da saúde, da igualdade, da decisão de consciência, da liberdade, da integridade e da segurança" ,defendeu o senador.
Ministro da Saúde comemora
O Ministro da Saúde, Jorge Venegas, saudou a vitória da descriminalização do aborto do Senado e disse que está confiante de que os deputados também aprovarão a lei. "Como instituição, o nosso Ministério tem sido convocado para as comissões parlamentares inúmeras vezes. Creio que a interrupção da gravidez dentro de um programa e numa concepção de saúde sexual e reprodutiva é um direito que deve ser dado às mulheres".
"Este é um passo que dá a sociedade. Nós não apenas devemos cuidar da vida, mas também cuidar de nossas mulheres. Elas têm o direito de interromper ", disse o secretário de Estado em suas primeiras declarações após a aprovação do projeto ontem à noite no Senado.
Se a lei for aprovada na Câmara dos Deputados e sancionada pelo presidente Pepe Mujica, todos os serviços de saúde, públicos e privados do Uruguai, terão a obrigação de realizar o aborto de forma gratuita se forem solicitados. A lei vigente, aprovada em 1938, pune com entre três e nove meses de prisão a mulher que faz aborto não autorizado.
Taxação de concentração da terra
O Senado uruguaio também aprovou um projeto de lei para criar um imposto a proprietários de mais de 2.000 hectares, com o objetivo de combater a concentração da terra. O projeto foi aprovado por 16 votos de 27, apenas com os votos da governante Frente Ampla (esquerda). Como o texto já havia sido aprovado em novembro pela Câmara dos Deputados, segue agora para sanção de Mujica.
Segundo os cálculos do governo, o novo imposto afetará menos de 1.500 dos mais de 50 mil produtores do país, que possuem um terço dos 17 milhões de hectares cultiváveis ou produtivos de todo o território. O governo acredita que o imposto permitirá arrecadar cerca de US$ 60 milhões anuais que serão destinados a obras de acesso ou de estradas rurais nos departamentos do interior.
Fonte:
Sul21