sexta-feira, 13 de março de 2009

Carta à governadora do Rio Grande do Sul sobre o Dia Internacional da Mulher

Á
Exma:
Sra. Governadora Yeda Crusius!

Escrevo-lhes, neste Dia Internacional da Mulher, como mulher e mãe, em nome de tantas mulheres e mães! Lutadoras em defesa da vida, estamos tomadas pelo sofrimento ao acompanhar, ao carregar em nossos braços nossos filhos, e sentir juntinho a eles, a dor e o pesadelo de quem luta em hospitais e clínicas de oncologia, para se curar de tumores, leucemias e os mais diversos tipos de câncer.

Sabemos estar comprovado cientificamente, que uma de suas principais causas está na forma pela qual o progresso, fruto da ganância humana, vem poluindo, destruindo e matando a vida, as espécies e a energia de nosso planeta. Os rios, a água, o solo estão contaminados. O ar poluído pela desenfreada fumaça das indústrias, pela destruição das matas nativas, em troca de extensas plantações de monocultivos. Os pássaros e animais de todas as espécies estão sendo exterminados.

Os salgadinhos, as salsichas, enlatados, transgênicos são colocados na mesa da grande maioria da população, no lugar do alimento, que vem da própria natureza e é produzido pelas mãos de mulheres e homens do campo. Referimos-nos à produção de alimentos saudáveis, que alimenta e cura: frutas, verduras, feijão, arroz e toda produção camponesa.

É com esse sentimento que somente pode medir quem vive e se encontra hoje nessa condição de milhares de mães, mulheres, vítimas da dor, que lhes escrevemos, evidentemente, insatisfeitas, e indignadas para somar com a multidão de vozes que protestam contra a sua conduta, que permitiu e determinou, amparo e defesa á empresa capitalista, multinacional, Stora Enso, nefasta para humanidade, para a natureza e para o planeta, que, amparada por um “interdito proibitório” conseguiu com a “justiça” a autorização da polícia para fazer despejo sem mandato judicial, em qualquer de suas áreas ocupadas.

Governadora! Sabemos quantos atos, fatos e acontecimentos em suas mais variadas formas, registros de tortura, massacres, prisões, assassinatos, mortes, constituem a síntese da violência praticada contra as mulheres, razão pela qual encontra seus principais fundamentos a origem do dia internacional da mulher. O contingente da Brigada Militar que agrediu, violentou centenas de mulheres, camponesas, trabalhadoras e mães, como aconteceu com a invasão de forma violenta no acampamento das mulheres da Via Campesina na Fazenda Tarumã, em Rosário do Sul, por volta das 17h, nesta terça-feira, dia 03.03.2008, não produz hoje o mesmo efeito e significado da experiência vivida historicamente pelas mulheres que de uma ou de outra maneira, foram queimadas, torturadas, massacradas, presas, assassinadas, mortas, razões dos protestos no Dia Internacional da Mulher? Isso que está acontecendo, nesta semana, março de 2008, no seu estado, contra as mulheres e crianças camponesas, não será a violência institucionalizada que se perpetua no meio de nós? Será que essa multidão de mulheres, mães camponesas, com suas mãos calejadas e sonhos grandes, que deixaram suas casas, não estariam querendo lhes dizer e falar às autoridades, que a vida, dentro e fora de nossos lares, está ameaçada? E que é preciso resolver os problemas pela raiz? Elas lutam por qualidade de vida!

Nesse mesmo dia internacional da mulher, de um lado, violência sobre as camponesas e, de outro lado, a Exma Governadora entregou o troféu Ana Terra a 25 mulheres em festividade no Teatro São Pedro. Isso não é uma contradição? Desta forma, será que seu discurso tem legitimidade?

Exma. Governadora! Como mulheres e mães, não suportamos mais ver nossos filhos sendo arrancados brutalmente de nossos braços. São arrancados pelos diferentes tipos de doenças, enfermidades que não têm cura, resultado dos venenos/agrotóxicos, químicos, industrializados, pouco mais pouco menos, vai levando um a um..., são arrancados pela fome, resultado da concentração de renda, dos latifúndios, da ganância, são arrancados pela miséria resultado das grandes desigualdades sociais, são arrancados também, coletivamente, pela agressão policial, como aconteceu no seu Estado, quando mulheres e mães que lutam diariamente por qualidade de vida tiveram a coragem, de colocar o dedo na raiz do problema. A vida para quem trabalha no campo é cruel e dolorosa demais. Onde está a solução?

A exma governadora, ao colocar sua cabeça no travesseiro para dormir, parou um instante para pensar que marcas ficarão nas vidas dessas 250 crianças que foram separadas de suas próprias mães, jogadas no chão, deitadas com suas mãozinhas na cabeça? Se coloque, por um instante, governadora no lugar dessas mães, que se viam longe de seus pequenos, de suas pequenas, o que será que passou em seus corações? Dá para agüentar? Se coloque por um instante no coraçãozinho dessas crianças inocentes, vendo suas mães sendo violentadas, com fome, com sede, querendo abraçá-las, precisando delas, não podendo mais sentar em seus colos para delas receber afeto, consolo e comida? Na sua grande maioria, tenha certeza governadora, não sabiam o que ali estava acontecendo. A quem poderiam elas se dirigir para buscar socorro? Certamente um dia essas crianças farão a pergunta:

Professora Yeda, economista, porque você fez isso conosco? Porque Professora? Que lição é esta? Não tinha outra maneira? As Ferramentas de trabalho que nossas mães utilizam para garantir o nosso café da manhã, o almoço e o jantar, que nem todos têm, usam para produzir comida saudável, foram apreendidas e os barracos que nós estávamos todos destruídos. Por que fizeram isso conosco? O que você faria se visse seus filhos, netos, bisnetos, tataranetos (...) sendo tratados dessa forma como nós fomos tratados?...

Que imagem ficou gravada na memória dessas crianças que, ao invés de ver os soldados lhes protegendo, e exigindo que a empresa invasora de seu espaço, lhes deixássem viver em paz, viram suas mães, mulheres camponesas que trabalham dia a dia, sol a sol, sendo agredidas na entrada daquela fazenda? Certamente elas não se cansarão de perguntar: Por que permitiu isso?

Quem sabe essas crianças um dia dirão: Ainda pequeno, nos braços de minha guerreira mãe, eu já aprendi a lutar pela vida, pela natureza, pelo planeta. Minha mãe sempre me dizia que o deserto verde, coloca em risco a vida da humanidade hoje e condena a humanidade de amanhã. Aprendemos com nossas mães lutadoras aquilo que, quem tem a tarefa de nos ensinar, não o faz: Cuidar do planeta, a casa onde moramos. Como diz a canção do Pe. Zezinho: quando eu crescer eu vou cuidar do meu planeta e libertá-lo da destruição, vocês verão!

É possível que mais tarde essas crianças possam afirmar: Nós e nossas mãezinhas, trabalhadoras do campo, denunciamos com nossas vidas que a empresa Finlandesa, cometeu um crime ao ter comprado 86 mil hectares de médios e grandes proprietários, na área de fronteira com o Uruguai e Argentina o que é proibido por lei. Denunciamos também o papel que cumpre o Estado quando se coloca a serviço das multinacionais, contra o princípio da vida humana e do planeta.

O que essas mulheres camponesas, mães na sua grande maioria, estão querendo é viver com dignidade no campo. Por isso propõem a soberania alimentar, que prevê a cada país condições de produção dos alimentos, garantindo autonomia e criando condições para combater a fome, as doenças, a miséria e as desigualdades sociais, possibilitando o desenvolvimento da agricultura e do nosso país.

Exma Governadora! Pedimos em nome da vida e do direito à liberdade que sejam liberadas todas as mulheres camponesas, indenizadas em seus danos, sejam eles morais ou pessoais e que seja condenada a Empresa Stora Enso, multinacional ilegal. Pedimos justiça às mulheres e às crianças camponesas e punição à Empresa Stora Enso.

Salvador, Bahia, 08.03.2008

Atenciosamente:

Sirlei A. K. Gaspareto
Estudante Ciências Sociais. UFCG-PB

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Contribuição feita pelo Prof° João Carlos Ritter

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