Em 1948, em meio a um cenário de genocídios e barbaridades ocorridas durante a Primeira e a Segunda guerras mundiais, os países vislumbraram a necessidade de formular e expressar patamares mínimos de direitos humanos.
Organizadas e incentivadas pela ONU (Organização das Nações Unidas), 148 nações se reuniram, redigiram e aprovaram, em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela representou um marco legal e institucional na defesa e garantia dos direitos fundamentais como a vida, liberdade, igualdade, segurança, acesso à Justiça, nacionalidade, acesso a serviços públicos, trabalho, habitação, alimentação, saúde, educação, cultura, especial proteção à infância e juventude, proibição da escravidão ou da tortura, entre outros.
Após a aprovação da Declaração Universal seguiram-se várias outras convenções e tratados internacionais de direitos humanos. Entre eles: Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; Convenção contra Discriminação da Mulher; Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; e a Convenção sobre os Direitos da Criança.
A Declaração Universal foi reconhecida e subscrita por praticamente todos os países durante esses 60 anos. Seus princípios estão inseridos em boa parte das Constituições do mundo moderno e são parâmetros para a democracia.
O artigo 5º da Constituição Federal Brasileira exemplifica o impacto da Declaração Universal no nosso Ordenamento Jurídico. Outras legislações do nosso país regulamentam os princípios da Declaração Universal, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei da Saúde, a Lei Orgânica da Assistência Social, o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, entre outras.
Os direitos elencados na Declaração Universal são considerados fundamentais porque sem eles o ser humano não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e muito menos de participar plenamente da sociedade.
Todos os seres humanos devem ter asseguradas, desde o nascimento, as mínimas condições necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Por isso é preciso ter sempre em conta que todas as pessoas nascem com os mesmos direitos fundamentais. Não importa se a pessoa é homem ou mulher, não importa onde a pessoa nasceu, nem a cor da sua pele, não importa se a pessoa é rica ou pobre, como também não são importantes o nome de família, a profissão, a preferência política ou a crença religiosa.
Os direitos humanos fundamentais são, ao mesmo tempo, para todos os seres humanos. E esses direitos continuam existindo mesmo para aqueles que cometeram crimes ou praticam atos que prejudicam as pessoas ou a sociedade. Nesses casos, aquele que praticou o ato contrário à sociedade deve sofrer a punição prevista em uma lei já existente, mas sem esquecer que o criminoso ou quem praticou um ato anti-social continua a ser uma pessoa humana.
Dentro de um cenário de crise econômica mundial é importante destacar que o crescimento econômico e o progresso material de um povo têm valor negativo se forem conseguidos à custa de ofensas à dignidade dos seres humanos. "O sucesso político ou militar de uma pessoa ou de um povo, bem como o prestígio social ou a conquista de riquezas, nada disso é válido ou merecedor de respeito se for conseguido mediante ofensas à dignidade e aos direitos fundamentais dos seres humanos", conforme a definição do jurista Dalmo Dallari.
A China e os Estados Unidos certamente são os países que mais violam os direitos humanos no mundo. As duas nações, com o prestígio econômico e político que detêm, deveriam exercer um papel de vanguarda na defesa e proteção dos direitos humanos. No entanto, além de não respeitarem os direitos humanos de seus cidadãos no âmbito interno, através da aplicação da pena de morte, da tortura e do desrespeito aos direitos sociais, são os países que mais fomentam guerras e conflitos internacionais.
As crises mundiais do sistema capitalista, os conflitos internacionais e o papel exercido pela China e pelos Estados Unidos são atualmente os principais entraves para o cumprimento da Declaração Universal de Direitos Humanos no mundo.
Os direitos humanos são utopia na vida de boa parte da população brasileira e mundial. Para realmente ter os direitos humanos respeitados, não basta ter o direito individual de estar vivo, mas são necessárias as condições para se ter uma vida digna, que envolvem também os direitos econômicos, sociais e culturais, como a educação, habitação, trabalho, saúde, entre outros.
Nesse sentido, 4 bilhões de pessoas no mundo, aproximadamente 460 milhões na América Latina e 50 milhões no Brasil estão completamente alijadas de direitos humanos, já que vivem em condições de extrema pobreza e não têm acesso à Justiça.
Após 60 anos da Declaração Universal, em 84 países, incluindo o Brasil, as práticas de torturas e maus-tratos são corriqueiras e sistemáticas e 54 países, incluindo a China --que sediou os jogos Olímpicos de 2008 - não respeitam a liberdade de expressão.
No Brasil, os direitos humanos previstos na Declaração Universal foram reconhecidos há apenas 20 anos, através da Constituição Federal de 1988. Nos períodos do regime militar, falar e defender os direitos humanos era considerado subversão e terrorismo.
Mesmo após o fim da ditadura militar, com estabelecimento da democracia, alguns setores da sociedade ainda encaram com desconfiança aqueles que defendem os direitos humanos. Muitas vezes são identificados como "defensores de bandidos" e até criminalizados, perseguidos, ameaçados e mortos. Alguns policiais ainda dizem: "Fazemos um esforço enorme para prender um criminoso e quando prendemos os 'direitos humanos' atrapalham tudo, pois não permitem torturar, bater e matar".
Essa deturpação e incompreensão com relação aos direitos humanos são geradas de um lado por desconhecimento sobre a noção real do que são os direitos humanos e, por outro lado, mostra a reação de setores que querem manter seus privilégios e suas práticas nefastas, como a corrupção, torturas, extermínios, sem que exista qualquer controle externo e cobrança pelo exato cumprimento das leis vigentes.
Muitas vezes, as entidades e os ativistas de direitos humanos, que na maioria das vezes são voluntários, priorizam a denúncia de crimes praticados pelo próprio Estado, principalmente através de suas forças policiais, já que os agentes do estado devem cumprir exemplarmente a lei e não se desviarem de suas funções e cometerem crimes, como torturas, execuções sumárias e outros abusos.
Geralmente, a atuação das entidades de direitos humanos fica identificada apenas com as denúncias de abusos por parte das polícias e de violações de direitos no sistema prisional e nas unidades de internação de adolescentes infratores mas as lutas pela terra; reforma agrária; moradia; habitação popular; indenização às vítimas da violência; programas de proteção às vítimas e testemunhas; combate à pedofilia e ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes; direitos dos idosos; combate a todas as formas de violência, principalmente contra crianças; erradicação do trabalho infantil; combate ao trabalho escravo; combate à violência contra a mulher; pelo direito à educação e ao trabalho, entre tantas outras, também são bandeiras das entidades de direitos humanos, inclusive seguindo a Declaração Universal de Direitos Humanos, mas que não são dessa forma identificadas.
Infelizmente, na realidade, os direitos humanos no nosso país são ainda utopia, só as classes mais abastadas é que realmente os têm garantidos. É exatamente por isso que o termo direitos humanos se mantém estigmatizado, pois os direitos humanos, na prática, estão muito distantes da população, principalmente daquela que vive na periferia, alvo de todas as formas de violência e exclusão, encurralada entre o crime organizado, a ausência de serviços públicos e a atuação violenta e corrupta de alguns policiais.
Atualmente no Brasil, segundo o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), 27 milhões de crianças e adolescentes têm seus direitos negados --número que representa quase 50% da população infanto-juvenil do país (62 milhões). 17 mil jovens são assassinados por ano. 16 crianças e adolescentes são mortas por dia. 5 milhões de crianças e adolescentes, segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), são exploradas no trabalho infantil.
A polícia de São Paulo é responsável por 8% dos homicídios cometidos anualmente no Estado. No Rio, a polícia é responsável por 18% das mortes. Entre essas mortes está o assassinato do menino João Roberto, fuzilado por policiais em julho de 2008, no Rio de Janeiro. Em média, a polícia paulista tem matado mais de 400 pessoas por ano e a polícia carioca, mais de mil.
De janeiro a agosto de 2007, 3.400 trabalhadores escravizados foram libertados em fiscalizações feitas por Delegacias Regionais do Trabalho e pela Polícia Federal.
A tortura ainda persiste nas práticas institucionais brasileiras e, em geral, com a omissão ou conivência do Poder Judiciário.
Em dezembro de 2007, o adolescente Carlos Rodrigues Júnior foi torturado e morto por policiais militares em Bauru (SP). Um ano depois, nenhum policial foi punido. Um mês antes --em novembro de 2007 - uma adolescente foi encontrada em uma cela da cadeia de Abaetetuba no Pará, após ficar aproximadamente 30 dias sendo estuprada e agredida por outros presos. Resultado: nenhuma autoridade foi responsabilizada. A missionária Dorothy Stang, defensora da reforma agrária e do meio ambiente, foi assassinada em 2005, também no Pará. Em maio deste ano, o suposto mandante do assassinato foi absolvido. Em junho de 2008, três jovens foram torturados e mortos após serem entregues por militares do Exército brasileiro para traficantes rivais, no Morro da Providência (RJ). Boa parte dos acusados tiveram as suas prisões relaxadas.
Esses exemplos demonstram que o Poder Judiciário, que deveria ser o garantidor dos direitos humanos previstos na Declaração Universal, tem sido um dos principais violadores.
Violência no campo; assassinatos de indígenas; desrespeito às comunidades quilombolas; a falta de punição dos torturadores e assassinos que atuaram no regime militar; discriminação racial; homofobia; violência contra crianças; mulheres e idosos...,e tantos outros são os exemplos de desrespeitos à Declaração Universal de Direitos Humanos.
A sociedade, os governos brasileiros, assim como, a comunidade internacional, ainda não entenderam que o caminho para o fim da violência e para a consolidação da democracia passa necessariamente pela garantia dos direitos humanos para todos.
Havendo respeito aos direitos fundamentais, com a implementação do disposto na Declaração Universal de 1948, as injustiças sociais serão eliminadas e só dessa forma a humanidade poderá conquistar a paz.
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Gabriel Domingues/Divulgação Ariel de Castro Alves, 31, é advogado, coordenador da seção brasileira da Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (ACAT- Brasil), secretário geral do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) de São Paulo, membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e da Comissão Especial da Criança, do Adolescente e do Idoso do Conselho Federal da OAB